Por Eduardo de Mendonça Heinz, advogado, especialista em direito empresarial e imobiliário, pós-graduado em gestão estratégica de serviços, vice-presidente da CEDI-OAB/RS e diretor vice-presidente da AGADIE, sócio do escritório Mazzola e Dovizinski Advogados.
1 INTRODUÇÃO
O isolamento social decorrente da declaração de pandemia do COVID-19 obrigou a readaptação do mundo dos negócios para o ambiente digital, o que vinha ocorrendo de forma gradativa. As relações negociais via internet aumentaram exponencialmente neste período, se fazendo necessários alguns cuidados acerca dos documentos produzidos digitalmente a fim de que eles surtam os devidos efeitos jurídicos e deem a segurança almejada.
Assim, analisaremos os dispositivos de lei que dispõe sobre os documentos eletrônicos e, em especial, os contratos firmados neste modelo, uma vez que são os instrumentos da realização dos negócios jurídicos, assim como os mecanismos legais disponíveis para a proteção jurídica destes documentos.
2 DOCUMENTOS ELETRÔNICOS
O documento eletrônico é gerado a partir de códigos de um computador, circulando entre elas por meio de redes internas ou pela rede mundial de computadores, a internet.
Partindo desta premissa, o que enxergamos ou ouvimos é a materialização para a linguagem humana destes códigos armazenados no computador, seja ele uma fotografia, um vídeo, um contrato escrito, etc. Esta espécie de documento encontra-se recepcionado na nossa legislação, especificando a sua capacidade probatória.
Assim dispõe o Código Civil:
Art. 225. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão.
E o Código de Processo Civil no mesmo sentido:
Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei.
Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.
Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica.
Observa-se que, tanto a legislação civil quanto a legislação processual excetuam a validade do documento eletrônico à impugnação do seu teor. Assim, servirá como prova o documento não impugnado judicialmente pela outra parte. A exceção é o documento produzido nos termos da legislação específica conforme artigo 441 do CPC, o que será visto adiante.
Por outro lado, a conversão física prevista no artigo 439 supracitado já encontra-se superada pela existência do processo eletrônico, no qual o documento já vem na forma digital, e tendo em vista que já há flexibilização por juízes sobre o tema. Se tem aceitado a juntada de mídias digitais físicas (pen-drives, cds) ou arquivamento nos cartórios, para acesso das partes.
Podemos, então, dizer que são duas grandes questões a serem enfrentadas em relação a prova documental eletrônica: quando houver ou não impugnação e a livre apreciação do juiz.
A impugnação do documento eletrônico não difere da impugnação do documento físico, instaurando-se por incidente processual nos autos nos temos do artigo 390 do CPC.
Art. 390. O incidente de falsidade tem lugar em qualquer tempo e grau de jurisdição, incumbindo à parte, contra quem foi produzido o documento, suscitá-lo na contestação ou no prazo de 10 (dez) dias, contados da intimação da sua juntada aos autos.
Neste caso, inicia-se um debate acerca da validade do documento, podendo participar peritos e assistentes das partes se necessário for, estendendo-se por meses ou até anos a sua conclusão. Contudo, permite-se ao juiz apreciar livremente a prova eletrônica, aceitando-a dentro de um contexto, dispensando a perícia. É o que dispõe o artigo 440 CPC.
Esta impugnação não basta existir por si, cabendo ao magistrado avaliá-la de acordo com as alegações ou demais documentos existentes nos autos. Trata-se, assim, de uma questão subjetiva, que dependerá muito da interpretação do juiz, sendo, assim, imprevisível.
Numa sociedade onde a celeridade negocial cresce em importância, a realização de uma perícia poderá acarretar anos de discussões técnicas até uma conclusão definitiva para solução do processo.
Um dos casos mais comuns acerca da aceitação da prova eletrônica é a utilização de imagens de telas de computador ou “smartphone” (usualmente usado o termo “print screen”) como prova de fatos jurídicos, como em processos de difamação por publicações em redes sociais. Se não impugnada, como visto, servirá como prova. Mas impugnada, poderá acarretar no incidente processual, e o problema surge quando a publicação é apagada, impedindo o acesso ao seu conteúdo original, seja num servidor ou num aplicativo de mensagens.
Tratando-se o “print” de uma reprodução fotográfica da tela de computador, caberá a parte apresentar o original e indicar onde ele se encontra para que seja realizada a perícia nos termos do CPC:
Art. 422. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, a cinematográfica, a fonográfica ou de outra espécie, tem aptidão para fazer prova dos fatos ou das coisas representadas, se a sua conformidade com o documento original não for impugnada por aquele contra quem foi produzida.
§ 1º As fotografias digitais e as extraídas da rede mundial de computadores fazem prova das imagens que reproduzem, devendo, se impugnadas, ser apresentada a respectiva autenticação eletrônica ou, não sendo possível, realizada perícia.
§ 2º Se se tratar de fotografia publicada em jornal ou revista, será exigido um exemplar original do periódico, caso impugnada a veracidade pela outra parte.
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à forma impressa de mensagem eletrônica.
No exemplo, se a publicação foi removida, será virtualmente impossível a prova da autenticidade do “print screen”, restando infrutífera a prova pericial.
Neste sentido já se pronunciou a jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PETIÇÃO. INFORMAÇÃO DE NOVAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA. WHATSAPP. PROVA RELATIVA. MATÉRIA DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. 1. O aplicativo de mensagens instantâneas ?whatsapp? é um meio hábil às negociações civis que não dependam de forma específica determinada por lei, contudo, a simples reprodução da das mensagens, por si só, não torna inequívoco o seu conteúdo, especialmente por ser um instrumento facilmente manipulável. 2. Não configura novação o envio de proposta de novo acordo por meio de mensagens eletrônicas sem manifestação de aceitação pelo destinatário. 3. A inexigibilidade do título executivo extrajudicial é matéria destinada aos embargos à execução, conforme prevê o artigo 917 do Código de Processo Civil, sendo inapropriada a apresentação de simples petição para tal fim. 4. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TJDFT – Acórdão 0716889-89.2018.8.07.0000, Relator(a): Des. Ana Cantarino, data de julgamento: 14/11/2018, data de publicação: 20/11/2018, 8ª Turma Cível)
Trazemos, ainda, outra decisão jurisprudencial, na qual foi questionado o “print” pela ausência da identificação do URL de registro no servidor do material ofensivo, ou seja, o local onde encontra-se registrado o diálogo comprobatório do dano alegado.
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO – FACEBOOK – RETIRADA DE CONTÉUDO OFENSIVO – WHATSAPP – DISPONIBILIZAÇÃO – REQUISITOS LEGAIS – NÃO VERIFICAÇÃO – IDENTIFICAÇÃO PRECISA – AUSÊNCIA – ARTIGO 19, § 1º DA LEI 12.965/2014 – REFORMA DA DECISÃO. Para o deferimento da liminar de exclusão de conteúdo e disponibilização de diálogos apontados como ofensivo dos bancos de dados das redes sociais e do aplicativo WhatsApp com a quebra do sigilo, é necessária a presença dos requisitos legais do fumus boni iuris e do periculum in mora e da identificação clara e específica do Localizador Uniforme de Recursos – URL do material questionado. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. (TJMG – Acórdão Agravo de Instrumento-cv 1.0515.15.004080-3/001, Relator(a): Des. Tiago Pinto, data de julgamento: 10/11/2016, data de publicação: 22/11/2016, 15ª Câmara Cível)
Neste caso, o julgador entendeu que o simples “print” não fazia prova plena, sendo necessária a verificação do registro eletrônico do diálogo. Desta forma, ao nos resumirmos a um “print” de tela de computador, ficamos fragilizados em eventual produção de prova judicial.
Existem diversas soluções para resguardar a prova, como aplicativos criados pelo sistema “blockchain”, ata notarial, assinatura eletrônica e outros formatos que podem garantir a segurança jurídica deste tipo de prova. Adiante veremos a assinatura destes documentos como meio segurança jurídica.
3 CONTRATOS ELETRÔNICOS
Os contratos eletrônicos, na qualidade de documentos digitais, seguem a mesma regra, mas com algumas particularidades.
De acordo com o artigo 104 do Código Civil, a validade de um negócio jurídico depende de agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e de forma prescrita ou não defesa em lei.
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.
Da mesma forma, dispõe o artigo 107 da legislação civil:
Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
Isto quer dizer que um negócio jurídico poderá ser celebrado – ou a manifestação de vontade – por qualquer forma, salvo quando a lei não estabelecer uma forma especial como é o caso do disposto no artigo 108 que exige a escritura pública para a validade de negócios jurídicos que envolvam direitos reais, como a compra e venda de imóveis.
Em que pese não existir necessidade de forma especial para a celebração de contratos, a prova da sua existência e do seu teor é peça fundamental para a sua devida execução (cumprimento).
Dispõe o artigo 212 do Código Civil que o negócio que não dependa de forma especial poderá ser comprovado por confissão, documentos, testemunhas, presunção e perícia.
Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante:
I – confissão;
II – documento;
III – testemunha;
IV – presunção;
V – perícia.
Portanto, vemos que a forma é importante não apenas para a validade, mas também para comprovar os termos do negócio, pois é muito mais fácil comprovar o que foi avençado por escrito do que o que foi ajustado verbalmente.
Não sendo a forma requisito para a validade, podemos concluir que é válida a celebração de contrato pelo meio digital já que o Código Civil assim não veda.
No caso, a resposta está no artigo 225 do Código Civil, já mencionado, que estabelece que reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão.
Contudo, para os negócios jurídicos é imprescindível a prova da anuência da parte.
Neste sentido leciona CARLOS ROBERTO GONÇALVES:
A vontade é pressuposto básico do negócio jurídico e é imprescindível que se exteriorize. Do ponto de vista do direito, somente vontade que se exterioriza é considerada suficiente para compor suporte fático de negócio jurídico. A vontade que permanece interna, como acontece como a reserva mental, não serve a esse desiderato, pois que de difícil, senão impossível, apuração. A declaração de vontade é, assim, o instrumento da manifestação da vontade.
A forma mais comum de verificar a autoria da declaração em documentos físicos é a assinatura – ou firma – prevista no artigo 219 do Código Civil.
Art. 219. As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários.
Parágrafo único. Não tendo relação direta, porém, com as disposições principais ou com a legitimidade das partes, as declarações enunciativas não eximem os interessados em sua veracidade do ônus de prová-las.
Seguindo esta regra, criou-se a assinatura dos documentos eletrônicos.
4 ASSINATURA DIGITAL E ELETRÔNICA
Utilizando-se da solução em informática, a assinatura de documentos eletrônicos foi regulamentada por meio da Medida Provisória 2200-2/01 que estabeleceu uma forma de criptografar documentos a fim de que seja assegurada a sua integridade e autoria.
É o que diz o artigo 1º da referida MP:
Art. 1o Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.
Esta legislação permite que os documentos eletrônicos sejam certificados por meio de uma “firma digital”, que assegura a sua integridade e autoria por inserir um código de identificação tal qual uma assinatura física do titular, permitindo que qualquer alteração posterior seja facilmente identificada. Assim, um documento assinado digitalmente fica registrado num servidor legalmente habilitado e pode ser acessado por um código publico de verificação onde se terá acesso ao seu teor original e a autoria, assim como data, geolocalização, etc.
Dispõe a Medida Provisória que esta assinatura digital se dará por meio do sistema ICP-Brasil, através do qual é emitido um certificado público aos titulares que, por uso de senha e criptografia, inserem a sua “firma” (um código no documento), gerando, assim um segundo documento eletrônico, agora assinado digitalmente com a identificação do seu autor(es).
Esta é a chamada assinatura digital cuja fé pública é muito parecida com a escritura do artigo 108 do Código Civil já mencionado, estando estabelecido no parágrafo 1º do artigo 10 da Medida Provisória 2002-2 que declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários.
Uma das decisões mais emblemáticas sobre a validade da assinatura digital foi proferida pelo o Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu sua segurança ao ponto de dispensar a solenidade prevista em lei para atribuir força executiva ao documento assinado digitalmente pelo sistema ICP-Brasil, dispensando as testemunhas:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXECUTIVIDADE DE CONTRATO ELETRÔNICO DE MÚTUO ASSINADO DIGITALMENTE (CRIPTOGRAFIA ASSIMÉTRICA) EM CONFORMIDADE COM A INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS BRASILEIRA. TAXATIVIDADE DOS TÍTULOS EXECUTIVOS. POSSIBILIDADE,EM FACE DAS PECULIARIDADES DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO, DE SER EXCEPCIONADO O DISPOSTO NO ART. 585, INCISO II, DO CPC/73 (ART. 784, INCISO III, DO CPC/2015). QUANDO A EXISTÊNCIA E A HIGIDEZ DO NEGÓCIO PUDEREM SER VERIFICADAS DE OUTRAS FORMAS, QUE NÃO MEDIANTE TESTEMUNHAS, RECONHECENDO-SE EXECUTIVIDADE AO CONTRATO ELETRÔNICO. PRECEDENTES. 1. Controvérsia acerca da condição de título executivo extrajudicial de contrato eletrônico de mútuo celebrado sem a assinatura de duas testemunhas. 2. O rol de títulos executivos extrajudiciais, previsto na legislação federal em “numerus clausus”, deve ser interpretado restritivamente, em conformidade com a orientação tranquila da jurisprudência desta Corte Superior. 3. Possibilidade, no entanto, de excepcional reconhecimento da executividade de determinados títulos (contratos eletrônicos) quando atendidos especiais requisitos, em face da nova realidade comercial com o intenso intercâmbio de bens e serviços em sede virtual. 4. Nemo Código Civil, nem o Código de Processo Civil, inclusive o de 2015, mostraram-se permeáveis à realidade negocial vigente e, especialmente, à revolução tecnológica que tem sido vivida no que toca aos modernos meios de celebração de negócios, que deixaram de se servir unicamente do papel, passando a se consubstanciar em meio eletrônico. 5. A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados.6. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos. 7. Caso concreto em que o executado se quer fora citado para responder a execução, oportunidade em que poderá suscitar a defesa que entenda pertinente, inclusive acerca da regularidade formal do documento eletrônico, seja em exceção de pré-executividade, seja em sede de embargos à execução. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (STJ – Acórdão Resp 1495920 / Df, Relator(a): Min. Paulo de Tarso Sanseverino, data de julgamento: 15/05/2018, data de publicação: 07/06/2018, 3ª Turma)
A MP 2200-2 ainda estabelece no parágrafo 2º do artigo 10 a possibilidade de comprovação de autoria de outra forma que não pelo sistema ICP-Brasil, desde que previamente contratado entre as partes. É a chamada assinatura eletrônica por meio da qual as partes desde logo estabelecem um sistema de identificação. A adoção da assinatura por este formato, portanto, decorre do ajuste entre as partes, que consensualmente optam por um mecanismo de identificação. É o caso do ajuste entre correntista e banco, onde “login” e senha servirão como assinatura para contratação de serviços.
Assim dispõe a lei:
Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
…
§ 2o O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.
Assim como bancos, diversas plataformas digitais tem ofertado a possibilidade das partes assinarem documentos de forma eletrônica, servindo os registros do sistema e arquivos dos documentos para futura comprovação de autoria e conteúdo. Algumas tecnologias empregadas são IP do computador, e-mail, sms ao celular, etc.
Sobre a aceitação da assinatura eletrônica pelos tribunais, transcrevemos o seguinte precedente jurisprudencial:
Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INSXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. I. Por se tratar de contrato eletrônico, naturalmente, não há a necessidade de assinatura da contratante, uma vez que esta é substituído por sua senha pessoal e intransferível. II. Inegável a relação jurídica entre as partes. Ao aceitar os termos do contrato, a autora declarou ter lido e estar ciente de todas as cláusulas do referente pacto. III. no presente caso, observa-se que não houve, a quitação, por parte da autora da segunda parcela da matrícula e (trancamento da matrícula no dia 09/09/2015) também não efetuou o pagamento da parcela referente ao mês em que deferida a desistência de continuidade do curso, prevista na cláusula “8.6.b” do Contrato de Prestação de Serviços. IV. Legítimo o débito e lícita a inscrição do nome da autora no órgão de proteção ao crédito. V. Honorários de sucumbência invertidos e redimensionados. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DO PARTE RÉ. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70078333846, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em: 26-07-2018)
Vale citar esclarecedora decisão judicial, acerca do aceitante desta modalidade de contratação no que se refere à sua responsabilidade pelo mau uso da senha e do cartão bancário.
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ESTABELECIMENTO COMERCIAL. COMPRA. REALIZAÇÃO POR TERCEIRO. PAGAMENTO. APRESENTAÇÃO DO CARTÃO. USO MEDIANTE SENHA PESSOAL DO CORRENTISTA. TITULAR DO CARTÃO. DEVER DE GUARDA. FURTO. FORTUITO EXTERNO. DOCUMENTO DE IDENTIFICAÇÃO. EXIGÊNCIA. OBRIGAÇÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. ATO ILÍCITO DO ESTABELECIMENTO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR.AFASTAMENTO. 4. Danos decorrentes de pagamento mediante a apresentação de cartão bancário de uso mediante senha, por terceiro, amoldam-se à hipótese estabelecida no art. 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor, não podendo ser imputado ao estabelecimento comercial. 5. Não comete ato ilícito o estabelecimento comercial que deixa de exigir documento de identidade no momento do pagamento mediante cartão com uso de senha, porquanto inexiste lei federal que estabeleça obrigação nesse sentido. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (REsp 1676090/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 03/09/2019)
Por fim, cabe fazer um registro acerca de decisões jurisprudenciais relativas à validade de transações em que mesmo sem assinatura eletrônica ou digital, se comprovou o negócio jurídico por meio do contexto e documentos dos autos.
Quanto a analise contextual dos fatos para a validação de um contrato eletrônico quando impugnada a sua veracidade, citamos o seguinte julgado:
CONTRATO ELETRÔNICO–Contrato eletrônico de crédito em conta corrente – Cópia dos termos da contratação encaminhado a mutuaria – Disponibilização dos valores – Diversas parcelas quitadas – Ausência de capitalização – Possibilidade: – Embora ausente cópia assinada do contrato formalizado por meio eletrônico, válida a cobrança dos valores disponibilizados, quando os termos foram devidamente encaminhados à mutuaria que não nega o recebimento dos valores, tanto que pagou diversas parcelas do empréstimo. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP – Acórdão Apelação1005372-46.2017.8.26.0347, Relator(a): Des. Nelson Jorge Júnior, data de julgamento: 07/08/2018, data de publicação: 07/08/2018, 13ª Câmara de Direito Privado)
No caso a correntista alegou não ter assinado o contrato, mas o contexto dos fatos (recebimento e uso do crédito disponibilizado pelo banco) motivou o juiz a afastar a impugnação e declarar valida a contratação de mutuo.
Em igual sentido:
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL PARCIALMENTE CONHECIDA. INOVAÇÃO RECURSAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. MEIO ELETRÔNICO. AUSÊNCIA DE PROVA ESCRITA COM EFICÁCIA DE TÍTULO EXECUTIVO. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DO EXTRATO DE TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. 1. Em sede de apelação, é vedada a análise de alegação não arguida pela parte na instância a quo, sob pena de supressão de instância. 2. Acerca do valor probatório de contratos feitos por meio eletrônico, sabe-se que não existe óbice quanto à sua admissibilidade. O art. 369 do CPC dispõe que “As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”. 3. É cediço que se aplica ao contrato eletrônico o mesmo conceito do contrato tradicional, pois não se trata de uma nova modalidade de contratação, divergindo apenas em sua forma, pois possui os mesmos requisitos para a sua validade jurídica. 4. Na hipótese de empréstimo contratado por meio eletrônico, a jurisprudência indica que os documentos juntados sem eficácia de título executivo devem estar acompanhados dos extratos bancários que comprovam o crédito do valor na conta bancária do devedor, tal como apresentado pelo autor. 5. Recurso parcialmente conhecido e desprovido. (TJDFT – Acórdão 0045245-74.2014.8.07.0001, Relator(a): Des. Silva Lemos, data de julgamento: 04/07/2018, data de publicação: 23/07/2018, 5ª Turma Cível)
Em outro julgado, foi reconhecida a contração eletrônica de serviços educacionais impugnados pela parte, uma vez que esta, apesar de não ter assinado fisicamente o contrato, participou de aulas e ainda realizou a matricula pela internet:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. SERVIÇOS EDUCACIONAIS. CONTRATO ELETRÔNICO. AUSÊNCIA DE ASSINATURA NO CONTRATO. SERVIÇOS PRESTADOS. DÍVIDA PROVADA. 1. É apto a embasar a ação monitória o contrato de prestação de serviços educacionais formalizado por meio eletrônico, se há provas nos autos que corroboram a alegação de sua existência, como o Histórico Escolar da aluna/devedora e o contrato de realização da matrícula feita por ela, via internet. 2. Provada a prestação dos serviços e a ausência de pagamento da mensalidade, constitui-se de pleno direito o título executivo judicial pleiteado na inicial. 3. Deu-se provimento ao apelo do autor. (TJDFT – Acórdão 0015888-49.2014.8.07.0001, Relator(a): Des. Sérgio Rocha, data de julgamento: 26/09/2018, data de publicação: 02/10/2018, 4ª Turma Cível)
Portanto, as assinaturas eletrônica e digital são as formas jurídicas mais seguras para atestar a autoria e integridade dos documentos eletrônicos, sendo possível também fazer a prova do negócio jurídico por outros meios que devem ser previamente estabelecidos para evitar a futura perda da prova. Deve sempre ser avaliada qual a melhor opção, de acordo com a necessidade da parte, tendo em vista o seu custo-benefício, da mesma forma como fazemos quando exigimos o reconhecimento de firma de documentos físicos ou a sua celebração por escritura pública.
5 DO INTERESSE PUBLICO E POLÍTICA GOVERNAMENTAL NO USO DOS DOCUMENTOS ELETRÔNICOS
A recente publicação da Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019 em 20/09/2019, que instituiu a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, veio para consolidar e incentivar o uso dos documentos digitais como forma de promover a política de desburocratização, fomento de negócios e incentivo ao empreendedorismo.
O “Projeto Brasil Digital”, que visa melhorar o ambiente de negócios, busca minimizar a “patologia burocrática”, o excesso de apego à rotinas desnecessárias, a procedimentos repetitivos e sobrepostos, ao uso do papel e exigências de certidões e carimbos.
A premissa consta no artigo 3o:
Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:
…X – arquivar qualquer documento por meio de microfilme ou por meio digital, conforme técnica e requisitos estabelecidos em regulamento, hipótese em que se equiparará a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato de direito público;
A referida lei ainda altera o disposto no art. 10. da Lei nº 12.682, de 9 de julho de 2012, que dispõe sobre a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos, alterando a redação do art. 2º-A nos seguintes termos:
Art. 2º-A. Fica autorizado o armazenamento, em meio eletrônico, óptico ou equivalente, de documentos públicos ou privados, compostos por dados ou por imagens, observado o disposto nesta Lei, nas legislações específicas e no regulamento.
§ 1º Após a digitalização, constatada a integridade do documento digital nos termos estabelecidos no regulamento, o original poderá ser destruído, ressalvados os documentos de valor histórico, cuja preservação observará o disposto na legislação específica.
§ 2º O documento digital e a sua reprodução, em qualquer meio, realizada de acordo com o disposto nesta Lei e na legislação específica, terão o mesmo valor probatório do documento original, para todos os fins de direito, inclusive para atender ao poder fiscalizatório do Estado.
§ 3º Decorridos os respectivos prazos de decadência ou de prescrição, os documentos armazenados em meio eletrônico, óptico ou equivalente poderão ser eliminados.
§ 4º Os documentos digitalizados conforme o disposto neste artigo terão o mesmo efeito jurídico conferido aos documentos microfilmados, nos termos da Lei nº 5.433, de 8 de maio de 1968, e de regulamentação posterior.
§ 5º Ato do Secretário de Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia estabelecerá os documentos cuja reprodução conterá código de autenticação verificável.
…
§ 7º É lícita a reprodução de documento digital, em papel ou em qualquer outro meio físico, que contiver mecanismo de verificação de integridade e autenticidade, na maneira e com a técnica definidas pelo mercado, e cabe ao particular o ônus de demonstrar integralmente a presença de tais requisitos.§ 8º Para a garantia de preservação da integridade, da autenticidade e da confidencialidade de documentos públicos será usada certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).”
Art. 3º O processo de digitalização deverá ser realizado de forma a manter a integridade, a autenticidade e, se necessário, a confidencialidade do documento digital, com o emprego de certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP – Brasil.
Parágrafo único. Os meios de armazenamento dos documentos digitais deverão protegê-los de acesso, uso, alteração, reprodução e destruição não autorizados.
Vê-se que o uso do sistema ICP Brasil da Lei 2002-2/01 torna-se a referência legislativa para a manutenção da integridade e autenticidade dos documentos produzidos ou convertidos para o meio eletrônico.
A referida lei ainda faz importantes alterações nas obrigações dos registros públicos (Lei 6.015/73), das sociedades empresárias (Lei 10.522/02) e trabalhistas (Lei 5452/43 – CLT).
Por fim, ainda podemos mencionar o recente provimento 95 do CNJ, editado por força da declaração de pandemia mundial por infecção humana pelo coronavirus, que estabeleceu regras de funcionamento dos serviços notariais e de registro durante este período, autorizando os tabeliães, a seu prudente critério, recepcionar diretamente títulos e documentos em forma eletrônica consoante disposto na MP 2002-2/2001 (paragrafo 5º do artigo 1º).
6 CONCLUSÕES
Diante do que foi analisado, existe toda uma legislação que garante a utilização do documento eletrônico como prova de fatos e negócios jurídicos.
Observamos que tanto a utilização do documento eletrônico como do formato de assinatura para atestar a sua integridade e autoria prescinde de uma análise de preenchimento dos requisitos legais. O erro na utilização do formato digital, com ou sem assinatura, prescinde da análise técnica e jurídica para que haja não só a validade, mas também que se assegure a prova e evite futuros aborrecimentos e prejuízos quando da execução do contrato.
Para isso é necessário contar com uma assessoria jurídica que possa avalizar soluções tecnológicas confiáveis para realização de negócios por meio eletrônico, identificando as necessidades do cliente em cada operação para ajustar sua menos dispendiosa e mais segura forma de celebração.
Muito importante saber sobre esse tema, fico feliz em ter auxílio quando necessário!!!